Edi Rock no Caldeirão do Huck
Caiu o muro que separava o hip hop dos grandes meios. E isso não é necessariamente ruim
A participação do Edi Rock no programa Caldeirão do Huck da TV Globo no último sábado (19) deu fôlego ao velho debate sobre a presença do rap nacional nas mídias de massa.
Uma parte do movimento reagiu mal à presença de um dos Racionais na Globo. Pra eles, é contrassenso o grupo pisar na emissora que durante anos compactuou com o que há de pior na recente história do Brasil — colaboração com a ditadura, marginalização de pretos e favelados em suas produções e filhadaputagens afins.
Mas existe um fato determinante: em 1994, Edi Rock se envolveu num acidente de trânsito que resultou na morte de uma pessoa. Ele, e consequentemente todo o grupo, foi vilanizado por parte da imprensa, em especial o jornalismo da Globo. O caso é narrado na música “A vítima”, lançada pelo Racionais no álbum Nada como um dia após o outro dia, de 2002.
Consciente do racismo e da visão elitista alastrados na mídia, o Racionais passou, desde então, a rejeitar convites de praticamente todos os veículos da mídia convencional. Nessas, quem se deu bem foi a MTV que, braçando na contramão dos demais veículos, por meio da articulação do Primo Preto e Joana Mazzuchelli (apresentador e diretora do programa o Yo! MTV Raps), conseguiu registrar dezenas de entrevistas, reportagens e apresentações do grupo durante a década de 90.
Tempos depois, a própria MTV abriu mão do prestígio que tinha com a cena hip hop, ao tirar do ar o Yo! e minguar a presença do gênero rap na programação do canal.
O fato é que dos anos 90 pra cá a mídia mudou, o rap nacional mudou e o próprio Luciano Huck. Naquele mesmo ano do acidente, Luciano era dono de um bar da elite paulistana e andou dizendo que ali baiano não entrava, conforme artigo do jornalista Mylton Severiano para a revista Caros Amigos.
A declaração combina bem com um momento no Caldeirão do último sábado em que o apresentador pergunta a Edi Rock se ele foi derrubando seus preconceitos com o passar dos anos. A resposta veio sob medida: “Acredito que eu fui derrubando o preconceito dos outros”.
Faz sentido quando notamos o espaço que a mídia vem dedicando ao hip hop — capas de revista, trilha de novelas, hits nas principais rádios. Mérito do próprio movimento que, ao longo dos anos, ganhou respeito da massa, que é quem consome a programação das TVs e, consequentemente, os produtos anunciados nela.
Os executivos da mídia têm suado suas (c)alvas cabeças pra botar no ar produções atrativas à “nova classe C”. Por outro lado, quem trabalha com música e arte, sabe bem o peso da divulgação em rede nacional, ou seja, relação ganha-ganha.
Os Racionais, medalhões do hip hop, têm moral perante a mídia. Quando querem, dão as caras e também dão as cartas. Privilégio de poucos. Taí algo legal de se manter com o tempo. No mais, como diria o eterno Sabotage – um dos pioneiros a defender ampla presença do rap brasileiro na indústria cultural: “É o respeito que faz prevalecer”.